O setor elétrico brasileiro em 2022: avanços e perspectivas para 2023

Por Desire Tamberlini Campiotti Pajola*

17/12/2022 | 04h00

O setor elétrico brasileiro iniciou o ano de 2022 com intensos movimentos. No dia 7 de janeiro foi publicada a Lei 14.300/22, que institui o marco legal da microgeração e minigeração distribuída (denominada Lei da Geração Distribuída, ou “Lei da GD”), bem como melhor disciplinou o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e o Programa de Energia Renovável Social (PERS).

Embora o tema já estivesse previsto na regulamentação (especialmente nas Resoluções Normativas Aneel 482/12, 687/15, dentre outras), a Lei da GD preencheu uma lacuna legal, trazendo, entendemos, maior segurança jurídica para os players que atuam no setor nas suas mais diversas modalidades de exploração (autoconsumo local, autoconsumo remoto, empreendimento com múltiplas unidades consumidoras e geração compartilhada).

A Lei da GD representa, ainda, uma alternativa de redução da dependência de outras formas de geração de energia e seus riscos de escassez, atraindo, assim, novos investimentos, sem prejuízo das múltiplas discussões que comporta, especialmente sobre os impactos na conta dos consumidores finais.

A mesma Lei preservou o direito adquirido, mantendo as regras previstas nas normas da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, as quais permanecerão válidas até 31 de dezembro de 2045 para os projetos já instalados, ou cuja solicitação de acesso ocorra até o dia 7 de janeiro de 2023. Para ampliar por mais seis meses esse prazo para solicitação de acesso, foi proposto o Projeto de Lei 2703/2022, aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 6 de dezembro e será apreciado no Senado.

Ainda no início de 2022, mais precisamente em 25 de janeiro, foi publicado o Decreto 10.946/22, com vigência a partir de 15 de junho de 2022, que trata da cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore (Projetos Eólicos Offshore). O mesmo Decreto prevê, dentre outros dispositivos, que o Ministério de Minas e Energia – MME poderá delegar à Aneel a competência para celebrar os contratos de cessão de uso e realizar os atos necessários à sua formalização.

O MME promoveu as Consultas Públicas 134/22 e 135/22, resultando na expedição de duas portarias, sendo a primeira a Portaria Normativa 52/GM/MME/22 que estabelece normas e procedimentos complementares relativos à cessão onerosa de uso para exploração de central geradora de energia elétrica offshore no regime de produção independente de energia ou de autoprodução de energia, e a segunda, a Portaria Interministerial MME/MMA 03/22, que cria o Portal Único para Gestão do Uso de Áreas Offshore para Geração de Energia (PUG-offshore).

Tanto o Decreto como as citadas Portarias constituem efetiva evolução para o estabelecimento de um marco legal seguro e adequado para a geração de energia elétrica offshore no Brasil, sendo certo que o tema permanece em discussão no MME, Aneel, EPE – Empresa de Pesquisa Energética e Ibama.

O ano de 2022 também trouxe para pauta do setor elétrico a modernização do setor, objeto do Projeto de Lei 414/21 (PLS 232/2016 no Senado), bem como o Projeto de Lei 1917/15, também conhecido por “PL da Portabilidade da Conta de Luz”, que trata da possibilidade de o consumidor escolher seu fornecedor de energia.

Ao que tudo indica, o Projeto de Lei 414/21 é o que mais deve avançar, pois trata das regras de funcionamento do setor elétrico e amplia o acesso ao mercado livre de energia elétrica para todos os consumidores brasileiros, inclusive os de baixa tensão, incluindo residenciais, comerciais e industriais.

O tema da modernização foi amplamente discutido no âmbito do Grupo de Trabalho de Modernização do Setor Elétrico do MME e da Consulta Pública 33/2017 do MME, e apresenta quatro principais objetos de debates: abertura de mercado, aperfeiçoamento do mercado de energia, aprimoramento das tarifas e redução de encargos tarifários.

Dentre as diversas medidas propostas na modernização, destacamos a segregação das atividades de comercialização e distribuição de energia, a representação de pequenos consumidores na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE por agentes varejistas, a adoção de mecanismos para mitigar crises de inadimplência na CCEE, o aprimoramento das tarifas e a redução de encargos tarifários.

Considerando o amplo esforço até aqui empreendido por diversas entidades, autoridades e agentes do setor, é de fundamental importância que a modernização do setor elétrico efetivamente ocorra, com a consequente liberalização do mercado, aumento da concorrência e a tão esperada redução de tarifa para os consumidores.

Outro relevante tema que mereceu destaque na agenda dos agentes do setor elétrico neste ano que ora finda — e não apenas do setor elétrico, em razão de sua extrema capilaridade — foi o Hidrogênio Verde, cuja gama de atuação é tão extensa (combustíveis sintéticos, fertilizantes nitrogenados, indústria alimentícia, mineração, siderurgia e geração de energia, dentre outros) que tem se mostrado como o potencial grande protagonista da transição energética e descarbonização da matriz energética mundial (amplamente comentada, inclusive, na COP 27). Talvez não seja por acaso que o Hidrogênio Verde seja chamado de “combustível do futuro”.

Apesar de todas as preocupações técnicas, econômicas e legais sobre o tema, não há dúvidas de que o Brasil, por suas próprias características, possui todas as condições para ser um dos maiores (senão o maior) produtor de Hidrogênio Verde, já havendo Projetos de Lei para tratar do tema (especialmente os Projetos de Lei nº 725/2022 e nº 1878/2022, ambos em trâmite perante o Congresso Nacional), assim como memorandos de entendimento celebrados entre agentes privados e agentes públicos para o desenvolvimento de projetos de Hidrogênio Verde, com destaque para os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Pernambuco e Piauí.

Enfim, são visíveis e palpáveis os muitos movimentos e avanços havidos no setor elétrico no ano de 2022, apesar das adversidades, calendários e eventos de impacto nacional e global que podem ter retardado algumas definições (eleições no País, guerra na Ucrânia e seu reflexo na economia global, Copa do Mundo, e outros). Há fortes indícios de que o ano de 2023 tem amplas condições de apresentar maior evolução legislativa e de mercado, no sentido de aprimoramento do setor e da tão esperada abertura, modernização e novas soluções para a transição energética.

*Desire Tamberlini Campiotti Pajola, sócia da Área de Energia de Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.
Publicado em Estadão