Hidrogênio verde, o grande trunfo da descarbonização

Considerando a ampla cadeia de atuação do Hidrogênio Verde e a sua direta contribuição com a descarbonização de diversos mercados, inclusive pelo fato de atuar como um dos principais vetores energéticos capazes de substituir os combustíveis fósseis, é possível afirmar que o H2V é, de fato, o grande impulsor da descarbonização.

Um tema de preocupação mundial e que tem sido palco em diversos fóruns de discussão é a descarbonização da matriz energética mundial.

O tema está diretamente relacionado com a transição energética, sustentabilidade, preservação do meio ambiente e muitos outros tópicos que podem ser objeto de diversas teses e estudos.

Para contextualizar o Brasil nesse emaranhado de discussões, é necessário lembrar o Acordo de Paris, tratado global adotado em dezembro de 2015 pelos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, durante a 21ª Conferência das Partes (COP21), assinado por 175 países e sancionado pelo Brasil em setembro de 2016, o qual compreende o primeiro acordo global da história a apresentar compromissos de todos os signatários para a descarbonização do planeta.

Dentre os diversos compromissos assumidos, o Acordo de Paris sinaliza os caminhos para que o aumento da temperatura na Terra fique em 1,5ºC ou abaixo de 2ºC e formaliza o compromisso de redução de suas emissões pelos signatários (as chamadas NDCs – Contribuições Nacionalmente Determinadas, em português).

Para atualizar o Acordo de Paris ao contexto nacional, foi proposto pelo Senado Federal o Projeto de Lei nº 6.539/19 (“PL 6539/19”), em tramitação no Congresso Nacional, que altera a Lei nº 12.187/09 que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (“PNMC”). Dentre as previsões contidas no PL 6539/19, consta o compromisso de que Brasil irá neutralizar 100% de suas emissões até 2050, conforme Estratégia Nacional de Longo Prazo.

Nesse cenário de necessária descarbonização, acabamos identificando um grande trunfo para esse processo, uma verdadeira “virada de chave”: o Hidrogênio Verde (H2V), também chamado por muitos de “combustível do futuro”.

Não pretendo aqui esgotar todas as especificidades técnicas do Hidrogênio Verde (H2V), tampouco seu conceito, que ainda deverá ser uniformizado; mas, basicamente, ele pode ser considerado como aquele produzido a partir da eletrólise da água, utilizando-se energias geradas por fontes renováveis (solar, eólica, biomassa e hídrica), com baixa emissão de carbono, para dividir a molécula da água (H2O) e separar a molécula de hidrogênio (H2) e de oxigênio (O). O hidrogênio resultante de tal processo é chamado Hidrogênio Verde (H2V).

O hidrogênio possui diversos usos, tais como combustíveis sintéticos, fertilizantes nitrogenados (amônia NH3), indústria alimentícia, mineração, siderurgia e geração de energia. Uma vez produzido, comprimido e armazenado, o Hidrogênio Verde pode ser transportado e utilizado como matéria-prima para diversas indústrias, células a combustível e armazenamento de energia.

Considerando a ampla cadeia de atuação do Hidrogênio Verde e a sua direta contribuição com a descarbonização de diversos mercados, inclusive pelo fato de atuar como um dos principais vetores energéticos capazes de substituir os combustíveis fósseis, é possível afirmar que o H2V é, de fato, o grande impulsor da descarbonização.

Como todo tema em evolução, o Hidrogênio Verde apresenta alguns aspectos de preocupação, dentre eles o custo para sua produção e a necessidade de utilização de outra fonte energética para permitir a eletrólise da água, a questão relacionada a sua utilização e inflamabilidade, os aspectos relativos ao armazenamento e transporte, além da necessidade de um arcabouço regulatório capaz de orquestrar todo o setor.

Apesar dos aspectos que deverão ser aprimorados, o Brasil possui muitos atributos capazes de o tornar a maior potência de hidrogênio verde, tanto como produtor como exportador. O Brasil apresenta uma das matrizes mais renováveis do mundo e tem boa localização geográfica, que facilita a produção em larga escala Hidrogênio Verde (H2V), dentre outros atributos.

Com relação ao tema, verificamos que no Brasil já foram celebrados diversos memorandos de entendimento (mais de 20) entre players privados e agentes públicos para o desenvolvimento de projetos de Hidrogênio Verde, com destaque para os estados do Ceará (Porto de Pecém), Rio Grande do Norte (projeto que combinará eólica offshore e hidrogênio verde), Bahia, Pernambuco (Porto de Suape) e Piauí (projeto de planta de amônia para combustível veicular).

Dentro desse contexto, em 16 de dezembro de 2020 foi aprovado o Plano Nacional de Energia 2050 (“PNE”) pelo Ministério de Minas e Energia – MME, conforme Portaria MME 451/2020, que apresenta, inclusive, considerações sobre o hidrogênio.

Ainda nesse movimento, em julho de 2021, foi publicado o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), em conformidade com a Resolução CNPE nº 6, de 20 de abril de 2021, que havia determinado a realização de estudo para proposição de diretrizes para o PNH2.

Confirmando as tratativas relacionadas ao assunto, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 725/2022 (que ora denominamos “PL do Hidrogênio” ou “PL 725/22”), de autoria do senador Jean Paul Prates (PT/RN), que disciplina a inserção do hidrogênio como fonte de energia no Brasil e estabelece parâmetros de incentivo ao uso do hidrogênio sustentável.

Adicionalmente, e como mais um sinalizador de que há muito ainda por vir, foi anunciado pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, em 1º de julho de 2022, um programa de financiamento para apoio aos projetos-piloto de produção ou utilização de hidrogênio verde e, ao que tudo indica, novas linhas de financiamento ainda serão criadas.

Diversas empresas já miram esse mercado e, recentemente, em 26 de julho de 2022, foi anunciada a construção da primeira planta de hidrogênio verde em escala industrial do Brasil. A planta será construída pela Thyssenkrupp Nucera para a Unigel, uma das maiores empresas químicas da América Latina e maior fabricante de fertilizantes nitrogenados do país, no Polo Petroquímico de Camaçari (BA), que compreenderá projeto integrado de hidrogênio e amônia verde e deverá entrar em operação até o final de 2023.

É preciso destacar também que a amônia verde, produzida a partir do Hidrogênio Verde (H2V), reduz as emissões de gases de efeito estufa em todo o ciclo de produção, colaborando, assim, com a mitigação dos impactos do aquecimento global (especialmente para a produção de fertilizantes) e com relevante impacto no agronegócio.

Considerando as razões acima e tendo em vista a irrefutável necessidade de descarbonização mundial, parece-nos que o Hidrogênio Verde (H2V), de fato, figura como a força motriz desse processo. Nesse contexto, o Brasil possui diversas condições para se posicionar como o grande detentor desse trunfo.

Para tanto, contudo, ainda é necessário o desenvolvimento de um ambiente regulatório capaz de propiciar a segurança jurídica necessária para o desenvolvimento de todos os players que atuam no setor.

Desire Tamberlini Campiotti Pajola

 

Publicado por Portal Um Só Planeta