Especialistas questionam movimentos anti-ESG

Litigância contrária aos critérios utilizados, que está em curso nos Estados Unidos, atinge gestoras e empresas de avaliação de risco

Por Suzana Liskauskas — Para o Valor, do Rio

Neste semestre, um movimento que questiona a seleção de investimentos com base em critérios ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês) ganhou força nos Estados Unidos. O governador da Flórida, Ron DeSantis, impediu que os administradores do fundo de pensão dos servidores do Estado (State Board of Administration of Florida – SBA) pautassem decisões com critérios ESG, por considerá-los ideológicos.

A litigância anti-ESG em curso nos Estados Unidos também atinge gestoras e empresas de avaliação de risco, como BlackRock, Morningstar e S&P. O movimento foi deflagrado pelo procurador-geral do Estado do Missouri, Eric Schmitt, em agosto, e ganhou eco em outros 18 Estados americanos.

Os ratings ESG da Morningstar e sua subsidiária Sustainalytics estão na berlinda com investigações por possíveis fraudes. A BlackRock entrou na mira dos procuradores por considerarem que a atuação da gestora privilegia as questões ambientais em detrimento dos retornos e interesses dos clientes. O posicionamento da BlackRock, segundo os procuradores , teria pressionado aumentos de preços da energia por conta do movimento de descarbonização.

No Brasil, a avaliação de especialistas no mercado de capitais é cética quanto ao avanço da onda anti-ESG. Há um consenso de que o movimento ESG, embora tenha um caminho longo de maturação, não vai retroceder por aqui.

Paula Taira Horiuti, sócia do Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, avalia que o movimento nos EUA é político e está desalinhado do cenário econômico. “Trata-se de movimento retrógrado e desalinhado da reforma econômica estruturante trazida pelo ESG, o que é natural quando se há movimentos mais disruptivos. No Brasil, as grandes empresas e fundos têm entendido que a pauta ESG é irreversível, porque a incorporação de fatores ESG tende a melhorar o retorno financeiro”, diz.

Adriano Bernardi, sócio da 3R Investimentos, também está convicto de que o ESG é um tema que não vai retroceder. “Está casado com uma preocupação global com o meio ambiente. Os reguladores vão se envolver muito mais. Essa questão vai ser mais regulamentada, no Brasil e no mundo, o que é o correto”, diz.

Para Andrea Bottcher, líder do comitê ESG da Neo Investimentos, a integração do ESG no dia a dia das gestoras é uma realidade. Segundo Bottcher, trata-se de uma ferramenta que auxilia na análise de riscos e oportunidades, maximizando o retorno, mas ressalta a necessidade de estabelecer critérios claros para evitar o greenwashing. “No Brasil, a Anbima distingue dois tipos fundos, os que integram aspectos ESG na sua análise e os fundos que podem usar IS (investimento sustentável) no nome, que tem objetivo/mandato de investimento 100% sustentável. Isso é positivo, porque exclui o greenwashing”, diz Bottcher.

A movimentação crescente das gestoras brasileiras para incorporar os critérios ambientais, sociais e de governança e os avanços na regulamentação sobre a agenda ESG são realidade no Brasil, segundo Marcella Ungaretti, responsável de research ESG da XP. “As gestoras reconhecem que, para atrair capital, incluir esses critérios na estratégia de seleção tem se tornado essencial, e implica tanto avançar na integração ESG quanto em desenvolver novos produtos”, diz.

Sob o ponto de vista dos investidores, o interesse por ativos relacionados aos critérios ESG também vem aumentando. Luciana Ikedo, assessora de investimentos e sócia na RV4 Investimentos, comprova no dia a dia o interesse crescente de clientes, inclusive de pequeno porte (com tíquete médio de R$ 100 mil), por produtos aderentes à agenda ESG. “Percebo essa demanda crescendo em investidores acima de 50 anos. Eles têm críticas a empresas envolvidas em corrupção e que não têm preocupação com o meio ambiente. Também criticam alguns produtos do agronegócio, por exemplo”, diz Ikedo. “Na gestão de um portfólio, olhamos a rentabilidade dos ativos, a diversificação da carteira, questões técnicas , e o ESG pode ser somado a essa avaliação.”

Carlos Miranda, sócio fundador da X8 Investimentos, observa o crescente interesse de family offices por montar carteiras 100% com ativos geradores de impacto. Esse movimento ganha ainda mais força com as novas gerações assumindo o comando das grandes fortunas. “Temos investidores bilionários que mantêm 100% de seu portfólio em empresas geradoras de impacto. Há ainda as novas gerações cobrando um posicionamento das famílias para fazer investimentos mais limpos, que gerem impacto”, conta Miranda.

Publicado em Valor Econômico