Auxílio Brasil: mesmo sem regulamentação, financeiras já fazem pré-cadastro de consignado com juros de até 79% ao ano

Mesmo que a ampliação do empréstimo consignado para beneficiários do Auxílio Brasil ainda não tenha sido regulamentada pelo governo federal, bancos e instituições financeiras já se antecipam e fazem pré-cadastros para quem recebe o benefício. A taxa de juros chega aos 4,96% ao mês — ou 79% ao ano — o que preocupa especialistas.

A possibilidade foi liberada pelo governo Bolsonaro, que editou em março a Medida Provisória (MP) 1.106/2022, aprovada em julho deste ano pelo Senado. O texto também permite a concessão de consignado a quem recebe os R$ 1.212 do Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas), o que já foi regulamentado pelo INSS, que paga o valor do piso nacional a idosos acima de 65 anos e pessoas com deficiência carentes.

Além disso, a MP limita o percentual da renda mensal que pode ser comprometida com o pagamento da parcela a 40% dos atuais R$ 400 do Auxílio Brasil e a 45% para quem recebe o BPC/Loas, assim como demais aposentados e pensionistas do INSS.

De acordo com o Ministério da Cidadania, a previsão é que a regulamentação seja sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta quarta-feira (dia 3).

Antes da liberação da medida, no entanto, correspondentes bancários, que fazem a intermediação da concessão de consignados para diferentes bancos e instituições financeiras, já recolhem dados pessoais como o CPF e o código familiar do Auxílio Brasil e pré-cadastram beneficiários.

Num correspondente de Madureira, na Zona Norte, representantes oferecem crédito de R$ 1.600 com taxa de juros mensal de 4% pela financeira Facta e o Banco Pan. De acordo com a oferta, o valor deve ser descontado do benefício, a partir da regulamentação da medida, em 24 parcelas de R$ 160, o que significa que o consumidor vai pagar R$ 3.840 — R$ 2.240 a mais do que o valor contratado.

Num correspondente de Niterói que opera o consignado do BMG, o limite de crédito é um pouco maior: o empréstimo de R$ 2.070 pode ser quitado também em 24 parcelas de R$ 160, com taxa mensal de juros de 4%, num total de R$ 3.840 — ou seja, R$ 1.770 além do valor do crédito obtido.

Em outro local, também em Madureira, quem recebe o Auxílio Brasil pode pré-cadastrar para pegar R$ 2.087, e pagar o valor em 24 vezes de R$ 160, com taxa de juros de 4,96% ao mês. A oferta também é pela financeira Facta. Neste caso, o beneficiário também paga R$ 3.840 — isto é, R$ 1.753 a mais do que o montante contratado.

Entenda

O crédito consignado é concedido com desconto automático das parcelas em folha de pagamento ou benefício. Por ter como garantia o desconto direto, esse tipo de operação de crédito pessoal é um dos que oferecem os menores juros do mercado (de 2,14% ao mês para aposentados e pensionistas do INSS).

Apesar das ofertas feitas pelas financeiras, a margem do desconto em folha, a taxa máxima de juros e outras questões operacionais devem ser tratadas e detalhadas pela regulamentação a ser publicada pelo governo federal.

Coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim avalia que a possibilidade de pré-cadastro é “abusiva” e questiona o padrão de valores ofertados e condições oferecidas pelas empresas. Ela também afirma que o risco de endividamento desse público com a medida é alto:

— Correspondentes bancários, que atuam em parceria dos bancos que têm o consignado como principal produto, estão se antecipando e colocando a proposta para os consumidores de forma abusiva. Já há reclamações de pessoas que foram levadas pelo discurso, entregaram documentos, dados pessoais e sigilosos, e assinaram documentos, mesmo que o crédito ainda não esteja liberado.

O instituto tem acompanhado relatos de beneficiários que já estão sendo assediados tanto por telefone quanto por WhatsApp sobre consignado, mas, segundo a economista, as notificações estão provavelmente “subnotificadas” por conta da falta de acesso desse público a canais de reclamação.

– É muito preocupante. Estamos falando de uma população extremamente vulnerável, e que muitas vezes não entende os riscos de contratar crédito, ainda mais com uma margem (de comprometimento da renda) tão grande. Como cobrar esse nível de juros de que tem a menor situação econômica do país, que justamente é assistida por um programa social? – questiona Amorim.

O que dizem os bancos

Outros bancos ainda não oferecem o cadastro prévio para o crédito. A Caixa informou que aguarda a regulamentação da medida, com as condições e os requisitos do empréstimo, assim como o Banco do Brasil, que analisa a possibilidade.

O Bradesco afirmou que está avaliando, mas em princípio não deve operar a linha. Os bancos Inter e Santander informaram que não têm o serviço, e o Itaú não tem perspectiva de vir a oferecer. O BMG não se manifestou. O EXTRA entrou em contato com a Facta, que ainda não retornou.

O Banco Pan afirmou que se prepara para oferecer o consignado, e que sua atuação está limitada a “tratativas dessa modalidade de empréstimo, sujeitas a condição suspensiva, de modo que a eficácia de qualquer ato, incluindo taxas e prazos, está condicionada à efetiva sanção presidencial da MP nº 1.106/2022”.

Para o advogado Guilherme Justino Dantas, do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, a explicação para os juros altos está justamente na espera pela regulamentação.

— Nessa fase de pré-cadastro as financeiras oferecem uma taxa de juros alta porque ainda não sabem se poderão de fato contar com a garantia do Ministério da Cidadania. Acredito que com a regulamentação as taxas devem ficar próximas das que são oferecidas hoje para os beneficiários do INSS, que estão em 2,14% — diz.

Publicado em Extra