Broad Legal: empresas vivem corrida para apurar consequências de julgamento tributário do STF

Por Marcela Villar

São Paulo, 22/02/2023 – Desde a última quarta-feira, 8, com o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a “coisa julgada” no âmbito tributário, dezenas de empresas têm procurado escritórios de advocacia para entender se são ou não impactadas pela decisão – e de que forma.

De acordo com advogados tributaristas e economistas ouvidos pelo Broadcast, as ligações não param de chegar aos escritórios – e deixou alguns até roucos. “Desde quarta passada estamos falando sem parar e estou tentando recuperar minha voz. Toda hora surge alguma dúvida”, afirma o advogado Alan Viana, sócio do escritório MJ Alves e Burle Advogados.

Alguns emitiram um comunicado aos clientes para explicar os impactos da decisão, inclusive com relatórios em inglês. “Temos clientes que são multinacionais e essa questão chegou nos seus controladores nos Estados Unidos que queriam entender como essa nova regra impacta as apurações de seus impostos e ações judiciais”, diz o advogado Luiz Manssur, sócio-fundador na Dib, Almeida, Laguna e Manssur Advogados.

O escritório dele tem mapeado em planilha 69 temas de repercussão geral do STF no âmbito tributário. A partir dela, Manssur e os sócios têm verificado mais de duas mil decisões definitivas de seus clientes para saber se eles poderiam ser impactados.

Na última semana, o STF entendeu que decisões definitivas de tributário perdem a validade caso a Corte mude de entendimento em momento posterior e declare o imposto constitucional. Em outras palavras, se o Supremo definir que um tributo é obrigatório, as empresas precisam recolhê-lo, mesmo aquelas isentas por determinação judicial.

Estratégias

Diante de tantas demandas, os escritórios têm adotado um passo a passo para tranquilizar ou dar as más notícias aos clientes. “A primeira coisa que precisamos analisar é: a empresa tem decisão transitada em julgado? Se tem, houve algum posicionamento diferente do Supremo que alterou o posicionamento dela lá atrás? Se não houve, tudo certo. Se houve, desde quando?”, afirma o advogado José Eduardo Tellini Toledo, do Madrona Advogados.

A correria para entender os números da empresa é agravada com a obrigação da dívida constar no próximo balanço, no final de abril – no caso das listadas em Bolsa. “O comunicado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) diz que a empresa já tem que colocar no balanço de abril, porque é algo que vai ter impacto. Só não dá para saber o valor exato, mas é possível usar uma estimativa, com base no valor da causa”, afirma Alan Viana.

Fato relevante

Já a publicação de fato relevante é passível de discussão, segundo os advogados. “A regra do fato relevante não é objetiva, gera essa linha cinzenta. Tem muita gente apurando os números. O GPA [Grupo Pão de Açúcar] conseguiu emitir um rapidamente porque já estava mapeando, mas muita gente não estava ligando para isso, porque tinha sentença transitada em julgado”, afirma o advogado Cesar Amendolara, sócio do Velloza Advogados.

Até então, somente o GPA emitiu fato relevante sobre o tema. Ele era isenta da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) há 31 anos e deverá pagar à Receita Federal de forma retroativa. Segundo cálculo do GPA, a dívida do grupo é estimada em R$ 290 milhões. Pelo menos 30 empresas são diretamente afetadas por esse julgamento, como noticiou o Broadcast.

Em resumo, a avaliação da publicação do fato depende “da relevância do impacto financeiro que tal reversão causar”, como pontua o advogado Francisco Nogueira de Lima Neto, sócio fundador do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.

É também o entendimento do advogado Carlos Navarro, sócio da Galvão Villani Navarro: “O que é relevante tem margem de interpretação, depende de cada caso. Como a CSLL é um tributo sobre lucro, se a empresa vem experimentando prejuízo”.

A vantagem de emitir o fato relevante antes da publicação no balanço é mostrar ser transparente com os acionistas. “Evita especulação e cancela possíveis boatos. Mas, enquanto não tiver esse número bem apurado, é melhor esperar para publicar, para não gerar um movimento errado e fazer a companhia perder de valor”, orienta Amendolara.

O contador e auditor José Isaias Hoffmann, diretor na Corporate Consulting, diz ainda que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) pode emitir cobranças de impostos mesmo para empresas que tinham decisão transitada em julgado desde 2011. “Já existia uma norma da Receita Federal de notificar as empresas, então não existe ninguém pego de surpresa”, afirma.

Na publicação do balanço, o débito fiscal deve vir 100% provisionado. “A única diferença é que, se houver parcelamento, o débito vai ser classificado como circulante, ou seja, de curto prazo, para vencer no próximo exercício fiscal. Se não for circulante, significa que o pagamento é de longo prazo, com parcelas a vencer nos exercícios subsequentes”, conclui.

Outros esclarecimentos devem ser resolvidos com a publicação do acórdão do caso pelo STF. Segundo a Suprema Corte, o prazo legal é de 60 dias corridos, sem contar feriados. “Não tem nenhum acórdão publicado ainda, e isso dificulta uma análise mais apurada e detalhada, até para se entrar com embargos de declaração”, afirma Toledo.