Trabalhador pode ser demitido por causa de algo que postou na web?

Assessora de Anielle Franco foi exonerada após publicar em uma rede social ofensas contra torcedores do São Paulo Futebol Clube. Regras são diferentes para servidores e CLT; entenda.

A exoneração da assessora especial do Ministério da Igualdade Racial, após ter publicado em uma rede social ofensas contra torcedores do São Paulo Futebol Clube, reacendeu a discussão sobre o comportamento dos profissionais nas redes sociais e as consequências para suas carreiras.

Especialistas alertam que as redes sociais não podem ser entendidas como “terra de ninguém”. Neste sentido, os canais de interação social não devem ser utilizados como forma de justificar condutas que afrontem a honra, a imagem e a integridade de pessoas físicas ou jurídicas.

Usar a internet para ofender ou prejudicar o outro pode configurar crime, segundo os especialistas. A prática pode acarretar processos tanto no campo cível, como dano moral, quanto na área criminal, como injúria, calúnia e difamação.

“O usuário pode achar que está protegido dentro de seus seguidores, mas é prudente estar sempre atento ao teor das publicações e aos seus alvos, pois isso pode gerar sanções no emprego, inclusive demissão por justa causa”, alerta o advogado trabalhista Rodrigo Mattos Sérvulo de Faria, do escritório Almeida Advogados.

As atitudes que não têm ligação direta com a empresa ou órgão público também podem levar à perda do emprego, mas para que se configure a demissão por justa causa, deve-se levar em conta o código de conduta da organização e se o que foi postado fere a honra do empregador (veja abaixo perguntas e respostas sobre o assunto).

CARGO DE CONFIANÇA – No caso da assessora de assuntos estratégicos Marcelle Decothé, a exoneração ocorreu após ela publicar um story – postagem temporária – com foto da torcida do São Paulo com a legenda: “Torcida branca, que não canta, descendente de europeu safade. Pior tudo de pauliste”. O Ministério disse que as manifestações estão em “desacordo” com os objetivos e políticas da pasta.

As leis trabalhistas que amparam os funcionários de empresas regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não são as mesmas para quem ocupa um cargo de confiança.

“A assessora é uma servidora e pode ser exonerada sem justificativa”, disse Mauricio Corrêa da Veiga, advogado trabalhista e sócio do Corrêa da Veiga Advogados.

Além disso, ela pode ter desconsiderado as regras de um manual publicado em 2014 pelo governo federal, para orientar os servidores sobre a atuação nas mídias sociais, afirma o advogado trabalhista Ricardo Christophe da Rocha Freire, do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.

“A exoneração dela tem um peso político até mais relevante do que o aspecto jurídico, especificamente no caso dela. Aparentemente, ela também descumpriu algumas normativas e uma delas era justamente ter bastante atenção na expressão ou juízo de valor de determinadas questões colocadas nas redes sociais, por conta de toda a repercussão”, explica.

Veja abaixo 3 perguntas e respostas sobre o assunto:

  1. A empresa pode demitir o funcionário por má conduta nas redes sociais?
  2. Quais atitudes podem gerar demissão, ainda que não sejam ligadas diretamente à empresa?
  3. A lei trabalhista trata do assunto? Há jurisprudência? Geralmente dão ganho para quem?

1. A empresa pode demitir o funcionário por má conduta nas redes sociais?

Sim, dizem os advogados trabalhistas José Santana, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, e Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, professor da PUC-SP. E a empresa pode demitir por justa causa se a má conduta nas redes sociais difamar sua imagem.

Na demissão por justa causa, o trabalhador receberá apenas o saldo do salário e as férias vencidas, deixando de receber férias e 13º proporcionais. Além disso, não tem direito à multa do FGTS nem ao dinheiro do aviso prévio.

A advogada trabalhista Marcella Mello Mazza, do escritório Baraldi Mélega Advogados, esclarece que a empresa zela por sua imagem perante a sociedade, e o empregado é um representante da organização.

“O comportamento imoral nas redes sociais que atente contra a honra do empregador pode ser a base para que uma dispensa com justa causa ocorra.”
Segundo o professor da Fundação Santo André (SP) Antonio Carlos Aguiar, as pessoas costumam informar em seus dados pessoais o local onde trabalham. Sendo assim, há uma estreita ligação entre aquilo que postam e a imagem da empresa.

Em relação à demissão sem justa causa, a empresa não precisa apresentar o motivo da dispensa. Portanto, a postura inadequada pode levar a essa decisão, mesmo que a razão não fique clara.

Quanto à demissão por justa causa, ele explica que é preciso ter uma prova robusta de que a intenção do empregado foi grave e danosa à empresa.

2. Quais atitudes podem gerar demissão, ainda que não sejam ligadas diretamente à empresa?

A demissão ocorre de acordo com a gravidade e a relação com o empregador, segundo a advogada Marcella Mazza:

  • Comportamentos inadequados que não combinam com os valores e princípios da empresa, como manifestar preconceito, desrespeitar pessoas, ou aparecer em fotos com trajes inadequados;
  • Se envolver em discussões com outras pessoas nas redes sociais, que acabam em ofensas e troca de insultos de ambas as partes;
  • Usar blogs pessoais para expressar ideias e publicar críticas ou opiniões polêmicas, que vão contra o senso comum.

3. A lei trabalhista trata do assunto? Há jurisprudência? Geralmente dão ganho para quem?

Segundo o advogado José Santana, a lei trabalhista não trata especificamente das redes sociais, mas do aspecto comportamental do funcionário.

“A jurisprudência tem entendido que, se a má conduta afeta a imagem da empresa, pode ocorrer a justa causa”, diz.
Marcella diz que a indisciplina, o mau procedimento, a violação de segredo da empresa e o ato atentatório contra a dignidade do empregador são os motivos avaliados pelos juízes para a justa causa, mesmo que a lei não trate especificamente das redes sociais.

“Com a crescente demanda sobre o tema, foi necessário que os julgadores se posicionassem”.

Segundo ela, o TST tem entendido que são válidas as demissões por exposição inadequada nas redes sociais e, inclusive, existem precedentes que orientam o empregado a observar a ética, disciplina e seriedade no uso das redes sociais no ambiente de trabalho.

Os casos mais comuns são os de demissão por justa causa em razão da exposição que atenta contra a honra do empregador e a violação de segredos da empresa.

Ricardo Christophe da Rocha Freire

Publicada por G1