TJRS afasta a incidência do ITBI na integralização do capital social de empresa imobiliária

Decisão é da 21ª Câmara Cível, que reformou entendimento favorável ao município de Porto Alegre

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) afastou a incidência de Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) após integralização de capital social. No caso analisado, houve a transferência de oito imóveis de um sócio para uma imobiliária. O imposto cobrado somava cerca de R$ 380 mil, enquanto o aumento de capital social do negócio foi de R$ 2,5 milhões.

A decisão é da 21ª Câmara Cível, que reformou entendimento anterior favorável ao município de Porto Alegre. Para os desembargadores, a imunidade tributária é automática nesses casos. Na prática, não é preciso discutir a preponderância de atividade imobiliária, como alegava a prefeitura ao autuar a empresa.

O tema é controvertido entre os tribunais, mas a maior parte das decisões é favorável ao Fisco. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), por exemplo, a imunidade não tem sido concedida em muitas ações, segundo advogados.

A questão ganhou notoriedade após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar um caso, em 2020, em que discorreu subsidiariamente sobre a imunidade em integralização de capital social. No voto vencedor, o ministro Alexandre de Moraes cita que a Constituição prevê, no parágrafo 2º, inciso I, do artigo 156, duas hipóteses de imunidade de ITBI.

A primeira, disse ele, se aplica a incorporação de bens imóveis de uma pessoa física ao patrimônio da empresa. A segunda quando há uma movimentação societária, como cisão, fusão ou extinção de um CNPJ. Nessa última, o tributo é cobrado se a atividade principal (mais que 50% da receita) da companhia for a compra, venda ou aluguel de imóveis, ou arrendamento mercantil. Assim, estão imunes da cobrança do ITBI, nessas operações, sociedades que não forem, essencialmente, imobiliárias ou incorporadoras.

Para Moraes, a primeira exceção prevista na Constituição Federal “nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso”. “As hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada”, afirmou. No mérito, o STF discutia se cabia isenção de ITBI sobre o valor dos os bens que excederem o limite do capital social a ser integralizado (RE 796376 – Tema 796).

O desembargador Armínio José Abreu Lima da Rosa, relator do processo no Rio Grande do Sul, usa quase três páginas do acórdão em referência à decisão do STF. Foi um dos principais argumentos usados para dar ganho de causa à empresa gaúcha. “Aplica-se a ressalva, em realidade, na segunda parte do dispositivo em preferência, ou seja, nas transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão, ou extinção de pessoas jurídicas” (processo nº 5082610-43.2021.8.21.0001).

Uma linha da advocacia e do Judiciário acredita que esse trecho da decisão do Supremo não é vinculativo, porque não era esse o principal tema em discussão, mesmo que julgada em repercussão geral. Outra vertente acredita que o STF deu um bom indicativo sobre como deve decidir sobre a matéria, quando lhe couber julgar. “A tendência é de um desfecho favorável. O Supremo já deixou um balizamento, só basta os entes cumprirem”, afirma o tributarista Renato Silveira, sócio do escritório de advocacia Machado Associados.

A advogada Fernanda do Nascimento Pereira, do Domingues Sociedade de Advogados e que representa a empresa na ação, afirma que a decisão do STF deixa claro quando a imunidade do ITBI deve ser reconhecida. Na argumentação, ela frisou que a prerrogativa estava na Constituição, posterior à previsão do Código Tributário Nacional (CTN), que não deixa explícito o benefício.

Para ela, o órgão municipal foi muito “literal” e não observou o julgado do STF. “O ITBI é um imposto municipal, então cada município tem sua legislação e o Fisco em si sempre vai olhar a legislação local, que diz que é preciso ser verificada a atividade preponderante da empresa, mas não são argumentos robustos e seria desvirtuar a imunidade.”

A maioria dos municípios adota a mesma postura, segundo Francisco Nogueira de Lima Neto, sócio do Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados. “Virou quase regra geral”, diz. “Isso fez com que os contribuintes tivessem que brigar ao longo dos anos para ser reconhecida essa imunidade na integralização. Mas, nesse caso, a empresa é imune de qualquer jeito, independente de atividade preponderante.”

A primeira parte do artigo constitucional, que trata da integralização, não deveria ser alvo de discussão, afirma a tributarista Priscila Farisco, sócia do Viseu Advogados. “É um imóvel que transmiti de mim para mim mesma. Apesar de existir a separação entre pessoa física e pessoa jurídica, só houve um rearranjo patrimonial, não existe um terceiro, como nas operações societárias.”

Há esperança de dar um ponto final na história quando a decisão do TJRS subir para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou o próprio STF. “Nosso desejo é que essa decisão sirva de inspiração e suba para o STJ e STF para termos, finalmente, um posicionamento definitivo favorável”, diz Guilherme Manier, também sócio do Viseu Advogados.

Procurada pelo Valor, a Fazenda de Porto Alegre não deu retorno até o fechamento da edição.


Publicado em Valor.