STJ também poderá definir a “quebra” de decisões judiciais

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a “quebra” de decisões definitivas, nesta semana, deixou “no vácuo” temas tributários que são definidos, exclusivamente, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Isso acontece sempre que a Corte entende a matéria como infraconstitucional e, por esse motivo, não se vê competente para julgar.
Compete ao STJ, nessas situações, dar a palavra final sobre o tema e o tribunal pode fazer isso de forma vinculante – atingido todos os contribuintes – por meio de julgamentos repetitivos.

Como o Judiciário vai se comportar, daqui para frente, em relação a esses casos? Haverá a “quebra” automática das decisões individuais que estiverem em sentido contrário ou, para essas hipóteses, especificamente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ainda precisará utilizar ação rescisória?

Existem temas extremamente relevantes para as empresas que estão, hoje, a cargo do STJ. Por exemplo, as discussões sobre insumos que podem ou não gerar créditos de PIS e Cofins. O STF afirmou em julgamento realizado no ano passado que essa matéria é infraconstitucional.

Também está com o STJ um desdobramento da chamada “tese do século”. Trata sobre a possibilidade de as empresas que recolhem ICMS pelo regime de substituição tributária – o ICMS-ST – excluírem o imposto da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Essa situação envolvendo os julgamento do STJ está sendo considerada por advogados como um novo capítulo que se abre sobre a “quebra” de decisões individuais definitivas.

“Com certeza a procuradoria vai pedir a aplicação automática do novo entendimento”, diz Francisco Nogueira de Lima Neto, sócio do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.

Ficou definido pelo STF, na sessão de quarta-feira, que as decisões definitivas deixam de ter efeito sempre que houver julgamento posterior da Corte em sentido contrário – em repercussão geral ou em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI, por exemplo).

Significa que o contribuinte que discutiu a cobrança de um tributo e teve a ação encerrada a seu favor – autorizando a deixar de pagar – perderá esse direito se, tempos depois, o STF julgar o tema e decidir que a cobrança é devida.

A decisão definitiva, portanto, deixa de ter efeitos e o contribuinte passa, daquele momento e diante, a ter que pagar o tributo.

Essa sistemática muda o formato que se tem atualmente. Até aqui, a “quebra” não ocorria de forma imediata. O Fisco podia pleitear a reversão de decisões, mas por meio de um instrumento específico, a chamada ação rescisória – que tem prazo de até dois anos para ser utilizada e pode ou não ser aceita pelo Judiciário.

Os ministros afirmaram, ao alterar o sistema, que a manutenção de decisões individuais após os julgamentos vinculantes – que atingem todos os contribuintes – promove injustiça tributária, em afronta aos princípios da isonomia e da livre concorrência.

Os advogados Rafael Vega e Denise Junqueira, do escritório Cascione, entendem que, sob a perspectiva concorrencial, os ministros não terão resolvido todo o problema se as decisões definitivas e vinculantes do STJ ficarem fora do pacote.

“Porque continuará havendo um grupo de contribuintes privilegiados”, diz Denise. Seu colega, Rafael Vega, complementa que a decisão do STF não atinge o STJ, mas acredita que vai haver discussão e há chances de, no futuro, isso acontecer.

Para o advogado Carlos Eduardo Navarro, do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, além da dúvida sobre essa consequência, há incerteza sobre quem resolverá a questão: se o próprio STJ ou o STF.

Luis Augusto Gomes, do escritório Silva Gomes Advogados, diz que as decisões proferidas em sede de “recurso repetitivo” também seriam uma espécie de controle concentrado da legislação infraconstitucional e, por esse motivo, pode ser que o Fisco tente aplicar o julgamento do Supremo.

Ele pondera, no entanto, que se ficar definido que as decisões definitivas do STJ provocam a “quebra” – aos moldes dos julgamentos do STF -, o Fisco poderá realizar as cobranças, mas terá que obedecer todos os prazos e regras previstos na legislação.

Gomes faz essa ponderação porque, no caso do STF, os ministros decidiram contra a modulação de efeitos e, por conta disso, temas que foram julgados pela Corte no passado também serão afetados. Há casos em que as cobranças poderão retroagir até o ano de 2007.

Publicado por Valor

Posição do STF sobre “quebra” de decisão tributária gera impacto bilionário para empresas e traz insegurança jurídica, dizem especialistas

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir a “quebra” de decisões definitivas por eventual mudança de entendimento da corte em questões tributárias, sem “modulação de efeitos”, deve provocar mais insegurança jurídica ao sistema tributário brasileiro e tem forte impacto sobre o caixa das empresas em um momento delicado da economia. A avaliação é de especialistas em Direito Tributário ouvidos pelo InfoMoney.

Pela decisão da Suprema Corte, se um contribuinte foi autorizado pela Justiça a deixar de pagar um imposto, mas futuramente o tribunal entender que a cobrança é devida, ele não terá mais o direito concedido e precisará efetuar fazer o devido recolhimento do imposto.

A medida incide até mesmo sobre decisões transitadas em julgado – ou seja, aquelas em que não caberia mais recurso na Justiça. Nestes casos, se houver entendimento favorável do STF, os tributos também poderão ser cobrados. A decisão dos magistrados foi unânime e tem repercussão geral.

O STF também decidiu, por seis votos a cinco, pela não modulação de efeitos nessas situações. Na prática, isso significa que a Receita Federal pode cobrar o tributo, a partir da publicação da ata do julgamento, e empresas que estavam isentas não só voltarão a recolher o imposto como poderão ser cobradas retroativamente (inclusive com juros e multa).

Por entendimento da corte, as cobranças devem respeitar os princípios da anualidade, que estabelece que aumentos de determinados tributos só podem ser aplicados no exercício financeiro seguinte ao da aprovação, e da noventena, que impõe prazo de 90 dias para a aplicação de novos tributos ou aumento de alíquotas.

A discussão concreta envolvia o interesse da União de voltar a recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de empresas que, em 1992, obtiveram decisão transitada em julgado em Tribunal Regional Federal (TRF), que lhes concedeu o direito de não pagar o tributo. Quinze anos mais tarde, o STF validou a cobrança do tributo.

Foram contrários à modulação os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Rosa Weber. Já os ministros Edson Fachin, Kássio Nunes Marques, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli votaram a favor.

Em seu voto, o relator de um dos processos em análise, ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que a Constituição Federal não pode permitir tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente, sob risco de interferência sobre a livre concorrência.

O magistrado argumentou que, com a decisão favorável à cobrança da CSLL em 2007, poderia haver “injustiça tributária” se houvesse modulação favorável àqueles que, mesmo sabendo da posição do Supremo, continuassem sem recolher a contribuição.

Os efeitos da decisão proferida pelo pleno do Supremo Tribunal Federal ontem, porém, não se restringem à CSLL e podem ser aplicadas a outros tributos em que tenha havido mudança de entendimento por parte do Poder Judiciário.

“Caso um contribuinte tenha a seu favor uma decisão com trânsito em julgado que reconheceu seu direito de não pagar determinado tributo e, em um momento futuro, o STF entenda que a cobrança é constitucional, a decisão favorável da empresa perde seus efeitos. Assim, o contribuinte terá que retomar o pagamento de referidos valores, respeitados os princípios da noventena e da anterioridade anual”, explica a advogada Juliana Camargo Amaro, especialista da área tributária e sócia do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

“Por outro lado, as empresas que tenham decisão judicial transida em julgado reconhecendo a constitucionalidade de determinado tributo que, posteriormente, também foi reconhecido como inconstitucional pelo STF, poderão reanalisar a possibilidade de recuperar os valores após a decisão em repercussão geral”, prossegue.

“Esse entendimento altera a forma de se analisar não apenas os efeitos do trânsito em julgado, mas a própria sistemática de precedentes existente do Direito Processual em vigor”, diz.

Para a advogada Izabela Fernandes, especialista em Direito Tributário da Lira Advogados, a decisão divide opiniões ao buscar prestigiar a livre concorrência e a uniformidade das decisões, mas impactar sensivelmente o planejamento tributário de contribuintes com direito consolidado.

“Ao mesmo tempo que prestigia a livre concorrência e a uniformidade das decisões quando pensamos em situações tributárias futuras (de trato continuado), [a decisão] faz com que justamente os Contribuintes que se encontravam respaldados por decisões judiciais voltem a recolher determinado tributo, tendo que refazer todo o seu planejamento tributário”, diz.

A decisão representa uma vitória para o governo – a primeira de relevo, com impactos fiscais relevantes, para o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Poder Judiciário desde que retornou ao Palácio do Planalto para um terceiro mandato.

Com ela, a Receita Federal poderá reaver bilhões de reais a partir das cobranças, reforçando o caixa da União em um momento de pressão por equilíbrio nas contas públicas.

Do lado das empresas, no entanto, a decisão gera preocupação, sobretudo pela possibilidade de cobrança retroativa de tributos – o que deve pressionar o caixa de diversas companhias.

“A decisão do STF de que a coisa julgada pode ser superada por conta de uma decisão posterior em sentido contrário em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade ou Recurso Extraordinário com repercussão geral é uma decisão inédita, e, portanto, deveria ser modulada para produzir efeitos a partir do momento em que foi proferido este entendimento”, avalia o advogado Eduardo Maneira, professor associado de Direito Tributário da UFRJ e diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro.

“A retroatividade desta decisão, no caso da CSLL, a 2007 é preocupante, fere a segurança jurídica e macula o instituto da coisa julgada”, critica o especialista.

Advogados dizem que não é possível estimar o impacto da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, já que as empresas que tinham decisões tributárias definitivas a favor não costumam fazer provisão para eventuais perdas, dada o respaldo dado pelo trânsito em julgado.

“A quebra das decisões judiciais definitivas [em matéria tributária] é também uma quebra de paradigma muito grande no nosso sistema”, observa o advogado Guilherme Manier, sócio da área tributária de Viseu Advogados.

Para ele, a declaração de inconstitucionalidade da CSLL era uma tese considerada “esdrúxula” por boa parte da comunidade jurídica, mas o Supremo deveria ter se concentrado exclusivamente nessa questão, e não ampliado escopo para outros tributos.

O advogado avalia que, o STF, com a posição assumida ontem, “equipara suas decisões a uma lei”, mas sem o trâmite convencional de uma proposição no Poder Legislativo e com apenas 11 julgadores. “Estamos dando para essa decisão o tratamento de uma nova lei, que altera a redação da legislação anterior. O que é muito preocupante. Isso caberia ao Congresso”, diz.

Além da própria CSLL, ele entende que os tributos que poderão gerar mais revés aos contribuintes após a decisão de ontem são PIS e Cofins, pelo volume de teses em repercussão geral reconhecidas no STF e pela quantidade de discussões pendentes. Ele cita como exemplo a cobrança de PIS/Cofins sobre receitas financeiras, na locação de bens móveis, exclusão de ISS da base dos tributos.

E diz, ainda, que a decisão do Supremo terá como consequência a necessidade de muitas empresas, independentemente do porte, contratarem serviços de “tax update”, para monitorar jurisprudência e revisão sobre possíveis pendências tributárias que poderão ser cobradas pela Receita Federal em breve.

“A decisão do STF tem repercussão para diversos contribuintes e não apenas as grandes empresas, além de deixar ainda mais complexo o nosso sistema tributário”, afirma Francisco Nogueira de Lima Neto, sócio fundador do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.

“Além da necessidade de acompanhamento de toda a legislação tributária, os contribuintes deverão ficar atentos às discussões administrativas e judiciais em matéria tributária de forma a não serem surpreendidos por uma alteração de entendimento do STF”, complementa.

Para Gustavo Taparelli, sócio da Abe Advogados e especialista nas áreas contenciosa e consultiva, a demora do Supremo em julgar o assunto tornou a situação ainda mais delicada. “Várias empresas tiveram decisões favoráveis em seus processos há décadas e agora terão que lidar com dívidas que não estão provisionadas”, afirma.

“Vale registrar os casos da Paranapanema e da Braskem, que conseguiram há muito tempo decisões favoráveis transitadas em julgado para não recolher CSLL. Mais adiante, a Corte julgou o tributo constitucional. Também é possível imaginar os impactos às empresas importadoras que conseguiram decisões definitivas próprias para não pagar IPI na revenda dos produtos importados. Por fim, vale lembrar que muitas empresas venceram a discussão para não incidir contribuição previdenciária sobre o terço de férias e, mais adiante, o STF alterou o posicionamento jurisprudencial para se posicionar pela constitucionalidade da cobrança”, lembra.

“O que se esperava, ao menos, era a modulação dos efeitos da decisão do STF no julgamento de ontem para proteger as empresas que agiam de boa-fé e aproveitavam as suas decisões favoráveis definitivas. Sem modular os efeitos da sua decisão, o STF provocou insegurança jurídica. Agora, devemos aguardar eventual movimento do governo federal sobre a criação de algum programa de parcelamento especial, conferindo benefícios para possibilitar o pagamento das dívidas tributárias”, conclui.

Publicado por InfoMoney