Mesmo salário para homens e mulheres? Por que leis para corrigir desigualdade não ‘vingaram’ no Brasil

O presidente Luis Inácio Lula da Silva deve apresentar neste Dia Internacional da Mulher (8/3) uma proposta de lei para garantir a equiparação de salários de homens e mulheres que fazem trabalhos idênticos.

Já existe na legislação brasileira a determinação de que homens e mulheres que realizam o mesmo trabalho sejam remunerados da mesma forma, mas na prática muitas vezes essa exigência legal não é cumprida.

Além disso, já tramitam no Congresso outras propostas com o mesmo objetivo, mas que ainda não conseguiram ser aprovadas.

Entenda as tentativas de criar uma lei sobre isso já feitas, o que já existe previsto na legislação, porque ela não é cumprida e as dificuldades que a nova proposta do governo pode enfrentar.

Por que as leis não são cumpridas

A previsão de que não haja discriminação de gênero no trabalho está presente de maneira mais ampla em diversas partes da Constituição, explica a advogada trabalhista Paula Boschesi Barros.

“Desde o artigo 5 que diz que todos são iguais perante a lei até o artigo 7, que fala de proibição de diferença salarial”, explica Barros.

Além disso, a CLT, em seu artigo 461, diz que as empresas devem pagar o mesmo salário independentemente do “sexo” do trabalhador se as funções forem idênticas.

A exigência foi reforçada na Lei 14.457 de 2022, que diz no artigo 30 que “às mulheres empregadas é garantido igual salário em relação aos empregados que exerçam idêntica função prestada ao mesmo empregador”.

Na prática, no entanto, essas obrigações são com frequência descumpridas.

Dados do IBGE mostram que as mulheres, em média, ganham 77,7% do salário dos homens apesar da população feminina ter um nível educacional mais alto. Quando se considera apenas cargos de gerência, diretoria e outros de maior salário, a diferença é ainda maior — as mulheres nesses cargos ganharam na média apenas 61,9% do que os homens receberam.

Barros explica que, apesar de determinar a exigência dos salários iguais, a legislação existente não estabelece nenhuma sanção em caso específico de discriminação salarial por gênero. Ou seja, não há fiscalização nem multa específicas caso as empresas não estejam dentro da lei.

“O único jeito de isso se materializar é se o assunto for tratado em uma ação trabalhista”, diz a advogada, especialista em direito trabalhista do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa.

Ou seja, as empresas que descumprem a regra só têm algum tipo de prejuízo legal se a trabalhadora entrar com um processo. Mas existem muitas barreiras a isso — de dificuldade no acesso à Justiça ao medo de impactos negativos em sua reputação no mercado.

O advogado Fernando Peluso, coordenador do curso de Direito do Trabalho do Insper, afirma que, mesmo que a trabalhadora vença uma ação, as multas por descumprimento da legislação trabalhista em geral são muito baixas para penalizar os grandes empregadores.

“As multas por descumprimento da legislação trabalhista são irrisórias”, diz Peluso.

Para muitas empresas, arcar com eventuais multas em ações trabalhistas sai mais barato do que cumprir a legislação.

Além disso, é bastante complicado estabelecer e provar que os trabalhos são idênticos e que a diferença salarial é resultado de discriminação.

“Existem requisitos bem específicos para determinar que os trabalhos são idênticos”, explica Peluso. “Não é a mera nomenclatura do cargo que garante que a pessoa deve ganhar a mesma coisa.”

Ele explica que as pessoas precisam não só ter o mesmo cargo, mas realizar as mesmas tarefas, com a mesma perfeição técnica e com a mesma produtividade. Além disso, a diferença de tempo exercendo a função também pode justificar o pagamento diferente”.

Na prática, diz Paula Boschesi Barros, muitas empresas usam detalhes como esse e brechas para criar uma justificativa para diferenças salariais que na verdade são provenientes de discriminação de gênero.

“Pode ser difícil dizer em casos individuais, mas quando olhamos estatisticamente fica bem claro (que existe diferença salarial por causa do gênero)”, afirma.

As propostas no Congresso e o projeto do governo Lula

Além das leis que já estão em vigor, já existem outras tentativas de criar legislação que ajude a resolver o problema da desigualdade salarial entre homens e mulheres.

Uma delas prevê justamente a criação de uma multa específica para empresas que descumprirem a lei. É o PL 1558/2021, de criação do deputado Marçal Filho (PMDB), que já passou pela Câmara dos Deputados e agora está sendo analisado no Senado.

Outro projeto, o PL 111/23, proposto pela deputada Sâmia Bomfim (PSOL), cria um mecanismo para garantir o cumprimento da lei, prevendo fiscalização feita pelo Ministério da Justiça.

Apesar da existência de propostas como essa, o governo Lula quis consolidar novas regras para tentar garantir a igualdade em um novo projeto proposto ao Congresso pelo Executivo.

A BBC apurou que o texto, que será divulgado nesta quarta-feira (8/3), deve incluir a previsão de multa ou regresso de concessão fiscal a empresas em que houver desigualdade salarial por causa de gênero.

O advogado Bruno Freire, especializado em direito processual, afirma que a criação de uma sanção deve ajudar no cumprimento da lei, mas outras dificuldades permanecem — como estabelecer em casos específicos que a diferença salarial é resultado de discriminação.

“A lei é aplicada de forma efetiva quando traz uma sanção”, diz ele, que é professor de direito na UERJ. “Mas há uma série de outros obstáculos que são culturais e sociais.”

Para Paula Barros, é preciso uma mudança sistemática que vai além do que pode ser conseguido com um projeto legislativo.

“É uma questão de base, de cultura. A conscientização está avançando ainda a passos muito lentos”, diz ela.

A Organização Internacional do Trabalho publicou um estudo apontando outras medidas que poderiam ser adotadas e que poderiam ter influência na igualdade salarial, como, por exemplo, ampliar a transparência na divulgação dos pagamentos quando uma vaga é anunciada ou aumentar a licença paternidade para os homens.

Publicado por BBC

Lei de equiparação salarial entre gêneros é positiva, mas tem aplicação difícil, dizem analistas

O projeto de lei de equiparação salarial entre gêneros anunciado nesta quarta-feira, 8, Dia Internacional da Mulher, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é importante para ajudar a resolver o problema da desigualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho, mas será de difícil aplicação, na avaliação de especialistas ouvidas pelo Estadão.

A proposta enviada ao Congresso obriga empresas com mais de 20 funcionários a publicar relatórios de “transparência salarial e remuneratória” de homens e mulheres e determina multa de cinco vezes (podendo chegar a dez vezes) o maior salário pago pela companhia em caso de diferença na remuneração.

Para a gestora executiva do Movimento Mulher 360 e CEO da Goldenberg Diversidade, Margareth Goldenberg, a medida indica que a questão será levada cada vez mais a sério e deve dar tração para a adoção de novas medidas necessárias para reduzir a desigualdade de gênero.

Ela pondera, no entanto, que será um desafio “imenso” aplicar a lei. “Das temáticas relacionadas à equidade de gênero, uma das mais complexas é a equiparação salarial. As empresas sempre acham que não há desigualdade salarial, mas, quando se faz um diagnóstico, começam a perceber as diferenças.”

A executiva acrescenta que há uma dificuldade em fazer a comparação da remuneração dos homens e das mulheres, mas que já há algumas – poucas – metodologias desenvolvidas por multinacionais para isso. Elas levam em conta critérios como cargo do profissional, tempo de empresa e resultado em avaliações.

Margareth reconhece, porém, que, em caso de ações trabalhistas, haverá formas para justificar a diferença salarial, dado que será possível usar diferentes indicadores.

Na visão da advogada trabalhista Paula Boschesi Barros, do Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, diante da complexidade de aplicação da lei, é possível que, em um primeiro momento, haja um aumento da judicialização do tema.

Paula, entretanto, afirma que isso não necessariamente será ruim. “Se a empresa tiver de se defender em juízo, talvez pense antes se está sendo discriminatória. A lei pode gerar uma discussão sobre o assunto e uma conscientização forçada.”

Diferença salarial entre gênero já é proibida por CLT, mas, segundo especialistas, faltavam mecanismos que garantissem cumprimento da lei.

Entre os pontos de complexidade que ela vê na aplicação da lei está o fato de, na esfera administrativa – a do Ministério Público do Trabalho -, não haver muito espaço para usar testemunhas como prova. Paula acredita que empresas que forem autuadas deverão levar a questão para o Judiciário para poderem produzir provas testemunhais.

A advogada Fernanda Perregil, responsável pela área trabalhista do escritório DSA Advogados, classifica o projeto de lei como “sensacional” para ajudar a reduzir a desigualdade de gênero, mas alerta que a aplicação dependerá da transparência por parte das empresas em divulgar os relatórios com os salários dos funcionários. Ela pondera que a lei também acabará onerando pequenas empresas, dado que elas terão de produzir esse material. “Será um custo de gestão a mais.”

Publicado por Estadão